2 de junho de 2011

Matando animais incómodos. Carta aberta do Hosp. Vet. Principal (Charneca da Caparica)

Partilhamos aqui uma Carta Aberta que foi publicada no site do Hospital Veterinário Principal na Charneca da Caparica e que espelha o estado das coisas em Portugal... Obrigada Drª Cristina Alves por dignificar a profissão e se recusar a deixar que o dinheiro fale mais alto que os princípios que jurou defender. Bem-haja!

Matando animais incómodos. Carta aberta

Com a aproximação do verão verifica-se o agravamento de um fenómeno preocupante que pode ser encarado como uma mudança, não para melhor, da nossa sociedade.
Mas, para de tal falar,cabe fazer um curto parêntesis.
Até ao fim dos anos 80 era normal o abandono dos animais com a aproximação da época balnear. Era comum ver-se à beira das estradas os cães confusos a olhar para o vazio à procura dos seus donos que os tinham despejado do carro, no seu caminho para o Sol do Algarve.
Nos anos 90 tornou-se comum o abandono em clinicas veterinárias ( uma evolução portanto) dos animais. O alijamento era feito no seguimento de uma hospitalização ou ainda entrando subrepticiamente nas clinicas e pedindo a alguém se segurava o cão enquanto “ia estacionar o carro”.
Acabando o parêntesis cumpre seguir com o discurso original.
Com o fim da primeira década do Século XXI a aproximar-se do seu término, surgiu uma nova forma de abandono, considerada porventura mais “humana” pelos seus perpetradores. O Abate misericordioso.
Esta nova modalidade resume-se em ir a um centro de atendimento médico veterinário e solicitar o abate do seu cão ou gato tout court. Falamos de animais saudáveis que em muitos casos nunca foram observados por um médico-veterinário, nem sequer para a vacinação obrigatória por lei.
As razões ? Variam. Vão desde a pessoa que desespera porque o cão não se cala e os vizinhos queixam-se, não fazer as necessidades no local e na altura considerada devida, ao cão que rosna ao marido, ao cão estar doente e não ter dinheiro para cuidar do animal ou ainda a melhor de todas as justificações...”por não ter tempo e não achar justo abandoná-lo” (sic).
A solução? Abata-se.
O médico recusa-se dizendo que o animal está saudável ? Recorre-se à chantagem psicológica. “Se não o abate tenho de o deixar no meio da rua”.Como se esta afirmação co-responsabilizasse o clinico pelo acto indigno que o dono se propoe fazer ao animal que paciente abana a causa ao seu lado.

Este abate é moralmente mais apelativo do que o abandono puro e simples para o dono e é desgastante para o médico-veterinário que tem de explicar a sua recusa ao próprietário do animal indignado, como se quem estivesse errado fosse o clinico. A verdade é que o abate de animais não é um serviço per si. Nenhum médico-veterinário estuda, tem como objectivo ou faz com prazer abates de animais saudáveis.

Nem seria considerado justo, honesto ou aceitável uma pessoa ir com um seu familiar idoso a um médico de pessoas dizer “abata o meu pai que está velho”.

A questão primordial é que o médico-veterinário não é um carrasco dedicado a abates de animais simplesmente porque o dono do animal o deseja. A função do médico veterinário é tratar os animais doentes o melhor que puder e souber, ajudar os animais a usufruirem de uma vida mais longa e com qualidade de vida, defender a saúde pública, ter um papel activo na prevenção e controlo de zoonoses, e eutanasiar em situações limite como sejam de sofrimento constante e não aliviável ,os animais doentes.

Animais com problemas comportamentais podem ser ajudados, desde que haja vontade dos donos:Grande parte dos casos de animais que causam disturbios em casa ou que são dominantes são-nos por exclusiva responsabilidade do dono que o não sabe controlar, que tem um animal sem querer dispensar algum tempo por dia ou que o encara como um acessório e não como um ser vivo passível de sentir dor e angústia.

Deve recorrer em tempo útil ao médico-veterinário que o pode ajudar e inclusivé se necessário indicar um processo de treino ou de reeducação e apoio terapêutico em casos mais graves.
Lamentávelmente vemos as pessoas recorrerem a vizinhos, amigos, automedicação, ou seja, a quem não sabe nem pode solucionar e muitas vezes contribui para agravar o caso até o tornar irresolúvel. E é só então que decide recorrer a quem deveria ter apelado primeiro, mas para uma tarefa indigna. Não se resolveu. Abata-se.
Não é para isso que existe a profissão de médico-veterinário, nem existe imperativo legal que force ao abate por capricho de animais saudáveis.

Esse serviço, de abate por conveniência de animais saudáveis, não existe na nossa lista de serviços, e continuará a não existir.

1 comentário:

Anónimo disse...

Não poderia estar mais de acordo.


Anabela Machado