Reproduzimos aqui uma crónica de Ana Chaves, publicada hoje no suplemento online P3 do Público, tendo em conta que no domingo está previsto uma tortura destas em Barcelos.
Até que ponto, em nome da “cultura” de um país, devemos aceitar, de braços em riste e com um sorriso escancarado, a tortura e a morte de um animal indefeso?
No passado domingo, dia 29 de Abril de 2012, o cavalo Xelim de Rui Fernandes morreu durante a corrida Real Maestranza, em Sevilha, vítima de uma cornada tão violenta que lhe deixou as vísceras de fora. Posto isto, Rui Fernandes, digno de um notável respeito pela vida animal, decidiu matar o touro, cortando-lhe uma orelha, com petição de segunda.
Disseminada a imagem em que o toureiro segurava a orelha do touro que
acabara de sacrificar, os comentários na página oficial de Facebook do
próprio começavam a multiplicar-se. Se para uns gerava a mais profunda
comoção pela perda de um animal “tão nobre quanto o cavalo”, lia-se por
lá, por outro, a indignação multiplicava-se na caixa de comentários do
“herói” da Caparica. Mas as críticas não haviam de lá permanecer por
muito tempo, mesmo as não insultuosas.
Crendices seculares, tradição, herança cultural ou simples desfile
cruel e venal, a tourada representa uma das facetas mais sombrias da
natureza humana.
O que muitos não sabem (ou fingem não saber) – e atenção que isto
pode conter “spoilers”! – é o que se passa antes da cena que move os
aficionados à praça. Cerca de 24 horas (muitas vezes mais) antes da
tourada, o touro é colocado num recinto minúsculo, fechado, sendo
privado de água e comida, ao mesmo tempo em que lhe são colocados pesos
hiperbólicos nas costas e administrados laxantes que originam a rápida
desidratação.
Como se isso não bastasse, e não raras vezes, as pontas dos cornos
são serradas, ficando o animal sensível ao mais leve toque, agudizando a
sua dor. Para além disto, os olhos são molhados com um líquido que lhe
dificulta a visão. É assim que o touro, debilitado, é levado para a
praça. É assim que o touro é, ainda, perfurado por bandarilhas que lhe
dilaceram as entranhas para gaúdio e regozijo de muitos.
E antes que as críticas a esta crónica se iniciem, parece-me pouco
justo dizer que a tourada é similiar à exploração de gado para consumo,
ao negócio das peles, ou outros que tais. Há ainda quem diga que se não
fossem os toureiros já não existiam touros, dada a extinção da raça
tourina brava. Esta afirmação está na mesma linha de raciocínio de que
quem defendia as vítimas de tortura era o torcionário.
Mas se queremos manter as tradições, voltemos à Inquisição e à morte
na fogueira, voltemos ao Circo Romano onde os cristãos cantavam, sem
temor, enquanto aguardavam a morte.
1 comentário:
Não entendo o que tem de cultural um acto tão macabro.
Assim se vê como são vistos os animais aos olhos de muita gente, que chama de cultura e de costume o acto de massacrar um animal. Se calhar, os tempos não mudaram muito desde a inquisição. Se se voltasse a queimar pessoas nos autos-de-fé, decerto seria algo cultural para alguns.
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