Felizmente parece que as pessoas começam a estar mais alerta e a querer mudar as mentalidades em relação aos direitos dos animais. O debate na SIC, no programa Aqui e Agora, pela participação que teve, e defesa brilhante que o Miguel Moutinho da ANIMAL fez dos nossos amigos e dos seus direitos, mostrou também isso. Aliás conseguiu que o jornalista responsável, Rodrigo Guedes de Carvalho, prometesse mais programas sobre os vários assuntos relacionados com os animais, o abandono, os maus tratos, etc... Estamos à espera ansiosamente! Deixamos aqui dois textos interessantes sobre este assunto.
Declaração sobre Circos com Animais de Nuno Markl
Há algumas semanas, num dia soalheiro, junto à Marginal, um circo encarregou-se de me estragar o dia. Mas isso é o menos: um dia estragado, para mim, será sempre uma coisa relativa quando alguém tinha o dia - ou, melhor dizendo, os dias - muito mais estragados que o meu: um dromedário debatia-se com uma chocante falta de espaço, encafuado dentro de uma jaula, sem saber o que fazer ao longo pescoço. Uma vida sem sentido, enfiada mal e porcamente numa caixa. Como um brinquedo, mal arrumado dentro de uma embalagem pequena demais.
Chamem-me esquisito, mas eu tenho esta ideia de que não é suposto um dromedário estar em Carcavelos, ao pé da Marginal. Muito menos amarfanhado numa jaula da qual sai só à noite, para entreter os humanos da linha de Cascais.
Como este dromedário, há muitos outros animais - grandes, pequenos, selvagens, domésticos - transformados em bonecos de corda confusos e tristes, em circos espalhados pelo país. E sim, eu já fui criança e preparo-me para ser pai. Sei o quão apetecível é a perspectiva de estar perto de animais extraordinários e vê-los levar a cabo feitos impensáveis. Mas os verdadeiros feitos impensáveis destas criaturas são os que eles levam a cabo todos os dias nos seus habitats naturais, de onde, em muitos casos, estão a desaparecer. A maneira como sobrevivem, como se organizam, como levam as suas vidas em liberdade e sem que haja um ser humano desumano a obrigá-los a fazer habilidades à força do chicote.
Há tanta gente a queixar-se que Portugal é um país eternamente atrasado, que é um país que não anda para a frente; sem dúvida que tratar os animais desta maneira abjecta para fins de entretenimento em nada contribuirá para que progridamos. Pelo contrário: isso mantém um dos pés da nação firmemente plantados no passado. E não é num passado qualquer: a existência de circos com animais e a maneira como tanta gente continua a caucionar essa existência, sejam particulares ou empresas (supostamente modernas, sofisticadas e responsáveis) que continuam a apostar neles, por exemplo, para as suas festas de Natal, é algo que - não tenhamos ilusões e enfrentemos a realidade - faz de nós um país demasiado medieval para o século XXI.
Somos melhores do que isso. Se admiramos os animais ao ponto de querermos que os nossos filhos os vejam de perto e os adorem, ensinemos-lhes que adorar um animal, é ter a consciência de que não é suposto um elefante, um tigre, uma pantera viverem dentro de jaulas num terreno vago ali ao pé de um prédio de apartamentos.
Provemo-nos merecedores de sermos chamados de humanos e civilizados. Sensibilizemos quem tem o poder de impedir que a terrível exploração de animais continue a acontecer nos circos portugueses.
Os circos podem - devem - continuar a existir. Inúmeros circos bem sucedidos, espalhados pelo mundo inteiro, conseguiram provar que um circo sem animais consegue ser ainda mais extraordinário e surpreendente que um circo que segue a via mais fácil e depende deles, arrogantemente, para fazer dinheiro. Um circo sem animais consegue mostrar o engenho humano voluntário de mil e uma formas surpreendentes. E isso é muito mais interessante e estimulante, para adultos e crianças, do que continuar a exibir o engenho animal forçado.
Nuno Markl
Homens e Animais
A Voz da Razão in Correio da Manhã 09/Maio/09
A Voz da Razão in Correio da Manhã 09/Maio/09
Touradas? Lamento. Não sou cliente. Os meus amigos conservadores nunca me perdoaram a traição. E dizem, inteiramente a sério, que eu me deixei levar pelos ‘direitos dos animais’. Absurdo.
Os animais não têm direitos; a capacidade de formular e articular direitos é uma prerrogativa humana e apenas humana. Mas isso não significa que, precisamente pelo facto de sermos humanos, não tenhamos alguns deveres para com os animais. O mais básico de todos é não os torturar para gáudio das massas. A tourada pode ser uma tradição; mas nem todas as tradições são úteis, muito menos benignas. Isto faz de mim um proibicionista militante? Não faz. Proibições culturais deste tipo nunca devem vir de cima. Devem começar por baixo: pela capacidade da maioria em olhar para as touradas como os espectáculos primitivos que, na verdade, são.
João Pereira Coutinho, colunista
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